CARTA ABERTA: Sobre Vítimas de Leis Atrozes

Olá, Paulo!

Terminei de ler o texto do teu vizinho Luciano Potter e, antes mesmo de ler tua coluna, comecei a escrever. Foi grande minha surpresa ao ler tua crônica e mais do que tudo, pelo seu final

Ao ler e me emocionar com “Olha. Mas não mexe!” escrito pelo Luciano Potter, na edição de domingo, 02.11.2014, em ZH, me senti contemplado com teu comentário sobre como vive uma mulher nestas circunstâncias por isso me permito alguns parágrafos para uma outra reflexão.  Logo depois li o que o mestre Paulo Santana escreve na mesma edição de ZH, pensei: é hora de falar, escancarar o verbo, por isso escrevo:

Aos 52 anos, gay, vivendo sempre com a imposição de ser muito discreto e portanto, apesar de alto, tentando não despertar atenção mas permanentemente acompanhado nas ruas pelos risinhos, pelo deboche, o sarcasmo, as piadinhas. Sempre percebendo as mãos das mulheres tapando a boca para rir ou dos homens desviando o rosto como se cruzar o olhar ja fosse prenuncio de receber uma cantada. Acostumei a sentar no transporte público e viajar sozinho porque ninguém senta-se ao lado porque parece que “isso contagia”.

Muito falante, eu não entendia porque as pessoas respondiam secas já encerrando uma possível conversa. Quando garoto meu apelido era “Cóti” – nome de um caminhão –  e em seguida virou “sorriso” porque eu ria muito, até chegar a adolescência.    Aos 13 anos, meu irmão mais velho , presenciou a humilhação pública na pequena cidade onde vivia. Apiedou-se ao ver o quanto era difícil para mim sair à rua e ouvir os gritos de bixa, puto, veado… na época, os gritos vinham de todos os lados – bares, obras, oficinas, campinhos de futebol. Foi então que convenceu meus Pais de que ali eu não poderia permanecer e me trouxe para viver com ele em Porto Alegre.

Foi uma vitória momentânea porque na capital poucos gritavam mas muitos riam, gargalhavam até. Aos poucos fui me convencendo de que tratamento psiquiátrico, psicológico, espiritual ou religioso não aliviavam minha dor. Intuitivamente percebi que era necessário me auto-proteger, me defender com algumas armas que a maioria dos meus algozes não detinham: conhecimento, cultura, competência profissional e capacidade de superação.

Tive muitos trabalhos negados porque era “frágil”, fui demitido de outros porque os colegas se sentiam constrangidos e em muitos outros,  me exonerei porque não aguentava a pressão por ter uma namorada, sair com os colegas para um puteiro ou em cada vez que cometia um erro, ouvir “coisa de veado, mesmo…”

Depois de muito chute, empurrão, tapa na cara e algumas surras dos colegas mais machistas,  desisti de estudar sem ter a coragem de dizer a razão a ninguém. Deixei que minha família acreditasse que eu era um inútil pois nem estudar eu queria. E não percebiam que eu era apaixonado pelos livros… Como não tinha vocação para cabeleireiro, “optei” pelo teatro que me acolheu. Muitos anos depois tive coragem de voltar aos bancos escolares mas o medo da Escola ainda vive comigo. Se eu puder evitar uma sala de aulas, ainda evito.

Trabalhei, li,  me esforcei e conquistei algumas posições de destaque. Sempre muito “bajulado” enquanto ocupava cargos que, por serem públicos, tem vida útil de 4 anos. Fui percebendo que as avaliações a meu respeito variavam do: “apesar de ser gay ele é competente” ao “como é que botam um veado como chefe” e assim por diante. Ao contrariar interesses, o primeiro retorno era “claro, o que se pode esperar de um veado”. Ainda assim, ocupei cargos de coordenação por 22 anos ininterruptos.

Com o passar da vida fui ficando auto-destrutivo, agressivo, intolerante, mau humorado e não sabia a razão. Quando descobri que a causa era o enorme cansaço pelo preconceito decidi lutar contra ele. Junto com outras vítimas de preconceito, criei o Instituto Brasileiro da Pessoa e agora estamos preparando para os dias 24 e 25 de novembro, no Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo,  o Fórum Estadual em Defesa a Pessoa. Ainda não voltei a rir com a mesma espontaneidade nem a abraçar as pessoas sem medo de ser rejeitado mas ja consigo acordar pela manhã sem medos e portanto, bem humorado.

O Paulo Santana fala nas declarações do Presidente-executivo da Apple Tim Cook e termina sua crônica com algo que é lapidar: “É terrível a maldade nascida com o preconceito. E são séculos e séculos de opressão…”

Quando li a crônica do Potter, vizinho do Santana, me emocionei e pensei: essa moça vive isso todos os dias da sua vida. Nossas dores se parecem e, na minha imaginação, sentei no banquinho, tal qual seu Alfeu e achei uma frase  para ser dita cada vez que rirem de mim por ai: ria a vontade, mas me deixe viver em paz porque como diz o Paulo Santana, felizmente já começa a raiar no horizonte a liberdade de escolha ou tendência sexual”!

Obrigado Santana e Potter, sem dúvida vocês estão contribuindo e muito para um tempo mais fraterno entre todos.                              agradecido abraço.

Marco Aurélio Alves

Gestor

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