“Precisamos ou não humanizar o atendimento?”

Uma senhora de cabelos brancos, caminhando com dificuldade, bastão na mão, olhos assustados, chega ao setor de atendimento de um órgão público e, de imediato, se dirige a recepcionista informando que deseja, apenas, pagar seu imposto antes do vencimento. Conta que recebeu um dinheiro extra vindo de um processo movido a 23 anos atrás.  A Servidora, um pouco sem paciência, aparentando esgotamento pela informação repetida insistentes vezes,  lhe responde alto: “suba a escada e entre na sala 4, guichê 6, tire a senha e aguarde o chamado”. Atônita a idosa pede que ela repita pois era informação demais para um cérebro tão cansado. A atendente crispa o rosto e repete ainda mais rápida a informação e já vai chamando: “próximo”.

Não consegui tirar o olho daquela vovó que, aos 80 e poucos anos, queria pagar antecipadamente seu tributo por ter ouvido noticias de que poderiam atrasar os salários. Seus olhos estavam perdidos, seu passo titubeante, sua força havia diminuído a metade pela vergonha pois não entendera a informação recebida. Humilhada, foi indo em direção a porta de saída afirmando para si mesma: “deixa, volto outro dia”.

Tem culpa a servidora que deu todas as informações, repetindo-as, inclusive ? Como responsabilizar a funcionária que fez concurso – já há muitos anos – e agora, quase ao final da carreira, lhe colocam em uma função que lhes parece “menor” porque ela já não produz com o mesmo entusiasmo dos primeiros anos ? Seria equivocada a abordagem da vovó que contara uma longa história à assoberbada funcionária causadora do desencontro ? Estaríamos nós, sim, nós todos, espectadores daquela triste cena, sendo coniventes com tamanho descaso com as pessoas envolvidas ? Entende a Servidora que a vovó, o sketista, a travesti, o deficiente, a criança, a grávida, o morador de rua, o colono e tantos outros requerem atenção diferente porque são distintos uns dos outros e querem ser recebidos, em todos os lugares, com carinho, respeito e atenção ?

Pessoas são “jogadas” em atividades para as quais, muitas vezes, não foram preparadas, e, outras não são de seu agrado e em muitas mais, soam como punição. Atender protocolo, telefone, recepção em órgãos públicos dos municípios e até do Estado é trabalho “para quem não rende mais”. Que grande equívoco! Triste ignorância de gestores que, após eleitos – ou escolhidos por estes – assumem funções de chefiar equipes com arrogância e soberba.

Os “grandões” dos órgãos públicos, em suas constantes e intermináveis reuniões, tomam decisões que não são comunicadas aos comandados principalmente às secretárias, aos vigias, porteiros, guardas, auxiliares de serviços gerais porque imaginam que tudo se executará apenas porque foi tratado em reunião. Se não há comunicação e respeito nem com quem elegeu imagine com garis, motoristas, atendentes de balcão. Esquecem que o poder enfraquece justamente quando aqueles que estão no mesmo barco deixam de acreditar no poderoso de plantão.

Aquela senhora simples queria dar sua contribuição para evitar que a crise aumente , foi impedida pela insensibilidade de uma servidora que está desmotivada graças ao despreparo daqueles que assumem comandos nos pequenos municípios, na esfera estadual ou nos grandes organismos federais. Não importa o Partido, parece que isto está no DNA de dirigentes. Somente quando se anuncia a crise, pensam em reduzir os estratosféricos custos de manutenção da máquina estatal e o primeiro item cortado são os cursos de qualificação dos servidores que deveriam ser estimulados a participar sempre mais e quando seja do interesse da atividade fim.

A vovó, assim como todos os diferentes,  só terão sua dignidade preservada e sentirão orgulho por pagar seus tributos quando houver humanização no atendimento ao público.

 

Marco Aurelio Alves

Presidente do Instituto Brasileiro da Pessoa

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