Diferença, inclusão, direitos humanos – debate urgente em tempos de desmonte

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Diferença, inclusão, direitos humanos – debate urgente em tempos de desmonte

Possibilidade, uma escada, por Tamar Matsafi

Possibilidade, uma escada, por Tamar Matsafi

A formação de grupos humanos aponta para um fenômeno curioso. Ao mesmo tempo em que se criam traços de identidade entre seus integrantes, admite-se a exclusão de determinadas pessoas. Certas características e comportamentos são bem-vindos e outros repudiados. A sociedade trata de afastar aqueles que fogem aos padrões de normalidade sobre os quais está estruturada.

Assim se construiu uma teoria da normalidade, sem que se saiba exatamente de que modo e sob que fundamentos. Superficialmente, tem-se um padrão já inscrito na cultura a que todos, de algum modo, se conformam. Os que se afastam ou não correspondem sofrem vários tipos de discriminação.

A mensagem socialmente instituída é clara: cada grupo no seu lugar fazendo o seu papel para evitar o conflito. Essa é a condição para que negros, homossexuais, mulheres, índios, pobres, assim como pessoas que apresentam alguma deficiência, sejam aceitas. É necessário que cumpram os papéis que a ordem social historicamente lhes aponta. Já nascemos, portanto, marcados, inseridos em um meio incapaz de conviver com a diversidade e que, para aliviar sua culpa, reserva “generosamente” alguns espaços aos diferentes.

Excluídos, po Tamar Matsafi

Excluídos, por Tamar Matsafi

O impulso primeiro de todo o excluído é ocupar esses espaços, respondendo passivamente às expectativas. Não responder é recusar o lugar da vítima, do coitado, e assumir-se como sujeito diferente, capaz e com direitos, instaurando uma desordem necessária. Minha reflexão se faz justamente sobre esse deslocamento fundamental das imagens pré-construídas.

Como se constitui esse sujeito diferente? Que posição ocupa em relação aos discursos que se fazem sobre ele? Acomoda-se, revolta-se, submete-se, resiste e acrescenta um efeito novo e crítico? Sacode as certezas já estabelecidas a seu respeito? Inquieta a maioria conformada ao padrão clássico de beleza, comportamento, origem e meio social? Que discussão provoca?

As sociedades modernas, em razão de sua aspiração igualitária, criaram mecanismos dedicados a anular a diferença para, em um segundo momento, segregar todo aquele que não se conforma aos padrões estabelecidos. Mascaram a dificuldade de assimilação da diferença, enquanto grupos que sofrem preconceito lutam prioritariamente pela conquista de dispositivos legais que proíbam a discriminação, o que é interessante, mas também pode mascarar o problema.

A questão pode ser vista por outro prisma. Não se trata de anular as diferenças, porque elas efetivamente existem, nem de reduzir a discussão apenas à conquista de dispositivos legais. É preciso muito mais para abstrair o preconceito resultante de um processo histórico e cultural que fixa um modelo, no qual o sujeito se inscreve desde o nascimento.

Militares brasileiros quando torturavam mulheres grávidas durante a ditadura costumavam dizer: “Se for homem, branco e saudável, quando nascer, ficaremos com ele”.

 

Pra onde ir, por Tamar Matsafi

O que desejo aqui é alertar o sujeito excluído para a necessidade de vigiar os efeitos sobre ele próprio das noções que apreende e incorpora culturalmente desde um ponto de vista padronizado. Essas noções tendem a torná-lo intimamente suscetível ao que aparece como seu “defeito”, levando-o muitas vezes a concordar que está aquém do que realmente deveria ser.

O caso do estupro coletivo de uma jovem, recentemente, no Brasil, é um exemplo contundente do que falo. Muita gente culpa a menina pela violência absurda que sofreu.

Em uma sociedade moldada por e para pessoas supostamente “normais”, que responde a padrões já traçados, como o machismo, as limitações são muitas. Nesse contexto, as pessoas dependem muito da solidariedade, da boa vontade, do bom humor e da disponibilidade dos outros e, claro, dos mecanismos que cria para a sua sobrevivência, defesa, bem-estar.

Quem sofre preconceito pela condição física, mental, intelectual, social, de gênero ou comportamento pode e deve impor o seu jeito de ser, subvertendo o estigma e a vitimização. As conquistas feitas até agora apontam para a diferença no sentido de repensá-la e não mais ignorar ou mascarar. No momento em que parte da sociedade começa a entender que a grande riqueza humana está na diversidade, essa discussão tem que ganhar mais fôlego. Não pode se dispersar justo agora em que os direitos humanos perdem espaço e importância no cenário nacional e praticamente já não têm nenhuma representação efetiva no governo que aí está.

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